Em Portugal, temos tradição em existirem muitas leis e poucas consequências pelo seu incumprimento. Um caso exemplificativo tem a ver com a legislação relativa à prestação de contas das sociedades comerciais.
É importante que a legislação se faça cumprir, não só por razões óbvias da sua existência, mas também porque subjacente às normas jurídicas se encontram necessidades de ordenação social ou económicas e, nestes casos, de garantias relativas à necessária transparência nos negócios e na atividade financeira, pelo interesse de terceiros em acesso à informação fundamental para a tomada de decisões e, de certa forma, a promoção de uma sã concorrência.
A recente alteração ao Código das Sociedades, em dezembro último[1], visa exatamente o objetivo de reforçar a necessidade de apresentação de contas verdadeiras e apropriadas à situação patrimonial, financeira e económica das sociedades, ao prever que “o gerente ou administrador que, em violação dos deveres de relatar a gestão e apresentar de contas, intencionalmente apresentar, para apreciação ou deliberação, documentos ou elementos que sirvam de base à prestação de contas falsos ou adulterados é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa[2]”, sob o título “Apresentação de contas adulteradas ou fraudulentas”. É necessário agora que se proceda à respetiva fiscalização e punição dos eventuais infratores.
A penalidade por prestação de falsas informações já se encontrava previstas na legislação, embora agora reforçada com esta alteração, com referência explícita aos documentos de prestação de contas, dado que aquele que deva prestar a outrem informações sobre matéria da vida da sociedade, as der contrárias à verdade, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa[3], ou se prestar maliciosamente informações incompletas e que possam induzir os destinatários a conclusões erróneas de efeito idêntico ou semelhante ao que teriam informações falsas sobre o mesmo objeto.
E se não prestar contas ou impedir a fiscalização
Se se apresentarem contas falsas ou adulteradas pode ter penalizações, a não prestação de contas também tem penalidades previstas.
São diversas as possíveis consequências da não prestação de contas, como por exemplo:
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A Dissolução oficiosa da sociedade[4]: quando durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas e a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo mesmo período, ou a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a ausência de atividade efetiva da sociedade, verificada nos termos previstos na legislação tributária, e ainda se a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária;
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Pena de prisão até 1 ano e 6 meses ou com pena de multa, para o gerente ou administrador de sociedade que recusar ou fizer recusar por outrem a consulta de documentos que a lei determine sejam postos à disposição dos interessados para preparação de assembleias sociais, ou recusar ou fizer recusar o envio de documentos para esse fim, quando devido por lei, ou enviar ou fizer enviar esses documentos sem satisfazer as condições e os prazos estabelecidos na lei, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal[5];
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Coima de € 50 a € 1.500, caso o gerente ou administrador de sociedade não submeter, ou por facto próprio impedir outrem de submeter, aos órgãos competentes da sociedade, o relatório de gestão, incluindo a demonstração não financeira, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei[6].
Caso o gerente ou administrador de sociedade impedir ou dificultar, ou levar outrem a impedir ou dificultar, atos necessários à fiscalização da vida da sociedade, executados, nos termos e formas que sejam de direito, por quem tenha por lei, pelo contrato social ou por decisão judicial o dever de exercer a fiscalização, ou por pessoa que atue à ordem de quem tenha esse dever, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa[7].
Perda de metade do capital
Atendendo aos prováveis resultados negativos a que as sociedades se encontram sujeitas a propósito dos efeitos da pandemia – COVID 19 – e/ou da atual guerra na europa, com o aumento dos custos da energia e das matérias-primas, com o efeito de arrastamento em todas as atividades económicas e financeiras, associados aos baixos montantes do capital social, é uma situação que pode ocorrer com elevada probabilidade e a que os representantes das sociedades devem estar especialmente atentos.
Se por constatação em contas elaboradas, ou por fundadas razões para o admitir, se verifica que a empresa se encontra numa situação de perda de metade do capital, o que se verifica quando o capital próprio da sociedade for igual ou inferior a metade do capital social[8], e o gerente ou administrador da sociedade não convocar de imediato a assembleia geral ou os administradores requererem prontamente a convocação da mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes tomarem as medidas julgadas convenientes, é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa[9].
Falta de cobrança de entradas de capital
Outra matéria, por vezes negligenciada, é a necessidade de realização e devida comprovação da realização do Capital Social, embora atualmente menos relevante atendendo à possibilidade de se constituírem sociedades por quotas com capital social de montante “livre”[10], embora tendo permanecido o capital mínimo de € 50.000[11] no caso das sociedades anónimas.
Sendo possível, no momento da constituição da sociedade, diferir a realização do capital subscrito[12], até um máximo de 5 anos, no caso das entradas em dinheiro[13], e até 70% das entradas em dinheiro nas sociedades anónimas[14], é importante garantir o cumprimento dos prazos estipulados. Isto porque, para além dos necessários recursos financeiros para a empresa instalar e desenvolver a sua atividade, o gerente ou administrador de sociedade que omitir ou fizer omitir por outrem atos que sejam necessários para a realização de entradas de capital é punido com pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa[15]. Se o facto for praticado com intenção de causar dano, material ou moral, a algum sócio, à sociedade ou a terceiro, a pena é de prisão até 2 anos ou pena de multa, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal.
Distribuição ilícita de bens da sociedade
Caso a sociedade não enfrente as dificuldades provocadas pelos prejuízos, mas antes apure resultados que permitam a distribuição aos seus sócios ou acionistas, de resultados em dividendos, é de atender ao facto de que “o gerente ou administrador de sociedade que propuser à deliberação dos sócios, reunidos em assembleia, distribuição ilícita de bens da sociedade é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa[16]”.
Se a distribuição for executada e for causado dano grave, material ou moral, e que o autor pudesse prever, a algum sócio que não tenha dado o seu assentimento para o facto, à sociedade ou a terceiro, a pena é de prisão até 3 anos ou pena de multa.
São exemplos possíveis de resultados não distribuíveis:
- Os incrementos decorrentes da aplicação do justo valor através de componentes do capital próprio, incluindo os da sua aplicação através do resultado líquido do exercício, que apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios, quando os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos, liquidados ou, também quando se verifique o seu uso, no caso de ativos fixos tangíveis e intangíveis[17];
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Os rendimentos e outras variações patrimoniais positivas reconhecidos em consequência da utilização do método da equivalência patrimonial, nos termos das normas contabilísticas e de relato financeiro, apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios, quando sejam realizados[18];
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Quantias necessárias à constituição, ou reforço, da reserva legal[19], correspondente a 1/20 (5%), dos lucros, até que esta represente 1/5 (20%) do Capital Social[20], que nunca será inferior a 2.500 euros, no caso das sociedades por quotas;
- Os lucros do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados[21];
- Os lucros do exercício enquanto as despesas de constituição[22], de investigação e de desenvolvimento não estiverem completamente amortizadas, exceto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas[23].
Normas temos em quantidade e qualidade de forma suficiente, é preciso que sejam cumpridas, e penalizados os eventuais infratores, sob pena de ineficácia.
[1] Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro
[2] Artigo 519.º-A do Código das Sociedades Comerciais (CSC) aditado pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro
[3] Artigo 519.º, n.º 1, do CSC
[4] Artigo 143.º, alínea a) do CSC
[5] Artigo 518.º. n.º 1, do CSC
[6] Artigo 528.º, n.º 1, do CSC
[7] Artigo 522.º do CSC
[8] Artigo 35.º, n.º 2,do CSC
[9] Artigo 523.º do CSC
[10] Artigo 201.º do CSC
[11] Artigo 276.º, n.º 5, do CSC
[12] Artigo 26.º do CSC
[13] Artigo 203.º e 2985.º do CSC
[14] Artigo 277.º, n.º 2, do CSC
[15] Artigo 509.º, do CSC
[16] Artigo 514.º, n.º 1, do CSC
[17] Artigo 32.º, n.º 2, do CSC
[18] Artigo 32.º, n.º 3, do CSC
[19] Artigo 218.º do CSC
[20] Artigo 295.º, n.º 1, do CSC
[21] Artigo 33.º, n.º 1, do CSC
[22] Com a entrada em vigor do SNC, a 1/1/2010, estes tipos de despesas deixaram de poder serem consideradas como ativos;
[23] Artigo 33.º, n.º 2, do CSC