Há muito que o setor do retalho em Portugal não estava tão debaixo de fogo. A pressão faz-se sentir sobretudo em duas frentes. Por um lado, na faturação, com a forte inflação e a difícil conjuntura económica a refletirem-se no consumo. E sente-se também na imagem que a opinião pública tem, neste momento, dos retalhistas pelas suspeitas, justas ou não, de especulação e outras práticas pouco transparentes.
Em março deste ano, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) instaurou 51 processos-crime por especulação no decurso de operações de fiscalização realizadas em 960 operadores do retalho, que o setor já veio, entretanto, contestar, mas que, seja qual for o desfecho destas investigações, tem sempre um efeito muito negativo na confiança que os consumidores têm nas marcas onde fazem as suas compras.
Para além da questão reputacional, o negativo contexto económico tem tido repercussões na rentabilidade das empresas do setor. De acordo com dados recentes do Eurostat, por exemplo, Portugal foi o sexto país da União Europeia onde as vendas a retalho mais caíram em dezembro de 2022, face ao mês anterior, num universo de 25 estados-membros. A queda no mercado português foi de 3,1%, acima da média da UE, de 2,6%. Esta descida nas vendas foi transversal às diferentes categorias de produtos de retalho, com exceção de um, o da compra de combustíveis para abastecimento de automóveis. E a maior quebra verificou-se nos produtos alimentares, bebidas e tabaco.
Convém ter presente que este é um setor absolutamente chave em qualquer economia e responsável por levar ao consumidor um conjunto de bens essenciais, como é o caso dos alimentos, vestuário e calçado, material de telecomunicações, artigos de decoração, eletrodomésticos, entre tantos outros. E que, com maiores ou menores níveis de quebra nas receitas, os efeitos de desaceleração fazem-se sentir já há vários meses. A isto acresce o fator incerteza por não se vislumbrar ainda quando surgirá uma ‘luz ao fundo do túnel’.
Este arrefecimento acontece pela acentuada subida de preços – sentida não só nos produtos vendidos no retalhomas de forma quase generalizada em todo os produtos e serviços dos diferentes setores da economia – e, consequentemente, na perda de poder de compra e alteração dos padrões de consumo, pelas entropias e nas cadeias de distribuição, pela indisponibilidade de fornecimento de produtos por parte de alguns mercados, pela incerteza percecionada pelos consumidores e, de uma forma geral, por todo um contexto económico e geopolítico negativo.
Embora as respostas aos desafios do atual contexto impliquem uma aposta em várias frentes, como mais à frente se verá, a questão concreta da subida de preços deve também merecer uma intervenção direta por parte dos retalhistas. Tal implica apostar no controlo de custos e na eficiência das operações para tentar compensar de alguma forma o esmagamento das margens de lucro, procurar que os produtos mantenham uma boa relação qualidade/preço e acautelar regularmente com os fornecedores a obtenção dos melhores preços possíveis, sem descurar a qualidade.
A aposta na qualidade e na eficiência da gestão
Seja qual for o contexto, negativo ou positivo, antecipado ou inesperado, a qualidade e a capacidade de adaptação das empresas de retalho serão sempre fatores prevalecentes no sucesso dos negócios. Isto porque este é um setor que lida com consumidores cada vez mais informados e exigentes e em que a concorrência é enorme. E com um enquadramento em que as mudanças acontecem quase ‘da noite para o dia’.
A qualidade deve estar presente não só nos produtos e no serviço prestado, mas também na conveniência, na personalização, na atenção dada às necessidades dos clientes, na eficiência da distribuição e adequada gestão de stocks, na transparência na prestação de informação e na adequação dos sistemas de faturação e numa boa gestão das reclamações e prevenção da litigância.
A estas variáveis junta-se outra crucial, a da inovação tecnológica, fator que os consumidores valorizam cada vez mais na escolha das marcas de retalho onde fazem as suas compras e a que permanecem fiéis. Quer na ida às lojas físicas quer nas compras online, os clientes esperam atualmente encontrar um serviço em que a tecnologia está presente e serve as suas necessidades de conveniência e rapidez no ato de consumo. À automação nas lojas físicas, por exemplo, estão associadas menores filas de espera e uma maior comodidade.
A flexibilidade e capacidade de resposta às mudanças no contexto envolvente e nas próprias tendências de consumo e crescente inovação são igualmente fundamentais para a sobrevivência e crescimento dos retalhistas. Saber estudar o comportamento do consumidor, percebendo tendências e hábitos e sendo capaz de ajustar a oferta às mudanças que surgem do lado da procura fazem parte de um perfil de gestão que deve pautar-se por privilegiar a proatividade, em detrimento da reatividade.
O pós-pandemia e as novas tecnologias
Se compararmos o impacto sobre o setor do retalho da pandemia e, agora, dos efeitos da guerra na Ucrânia, o choque é manifestamente maior neste último caso.
No entanto, a Covid e os constrangimentos trazidos pelos períodos de confinamento e restrições à circulação das pessoas, vieram alterar, de forma irreversível, os hábitos de consumo de produtos de retalho. Nomeadamente no que diz respeito ao peso que a Internet ganhou, fazendo acelerar o processo de adaptação das pessoas às compras online.
O crescente espaço que a Internet ocupa na vida das pessoas, a par da inovação tecnológica, tem mudado também a forma como a informação sobre os produtos e as marcas chega aos consumidores. Há muito que as campanhas de publicidade tradicionais perderam terreno. Seja via redes sociais, blogues, sites e múltiplos influencers, os ‘inputs’ chegam de todos os lados, fazendo com que o marketing das empresas de retalho tenha deixado há muito de se concentrar apenas na tradicional publicidade.
Com os consumidores mais atentos e conhecedores e uma informação que é cada vez mais diversa e rápida a circular, conseguir sobressair é também mais desafiante para as marcas. E o risco reputacional é igualmente maior. Nomeadamente porque qualquer problema se torna viral em menos de nada, sendo mais difícil controlar e fazer gestão de crises. Temas como a sustentabilidade e a responsabilidade social, o impacto ambiental ou a discriminação de género são sensíveis e podem vir ao de cima onde menos se espera.
O desenvolvimento tecnológico trouxe também a possibilidade de prestação de um serviço com mais qualidade e mais conveniência para os consumidores, mas este ‘elevar da fasquia’ fez reduzir o nível de tolerância do cliente e aumentar a expectativa de um determinado nível mínimo de eficiência nos momentos de consumo. Os produtos querem-se ‘para ontem’ e espera-se que o serviço ao cliente seja profissional e sem mácula.
A aposta na inovação na prestação de serviços e o investimento tecnológico são fundamentais para as empresas deste setor que se queiram manter competitivas e capazes de conquistar e reter clientes.
Numa altura em que quase tudo está em permanente mudança, é a constância na qualidade, flexibilidade e excelência na gestão a melhor garantia de rentabilidade e de crescimento das empresas de retalho.
____por Maria Ana Barroso